
O presente artigo analisa a natureza jurídica da Zona de Amortecimento (ZA) das Unidades de Conservação (UCs), à luz da Lei nº 9.985/2000 (Lei do SNUC) e das resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 428/2010 e nº 508/2025, bem como do Decreto Estadual nº 47.941/2020, de Minas Gerais. Examina-se a evolução normativa que disciplinou o procedimento de licenciamento ambiental no entorno de UCs, com destaque para o caráter instrumental da exigência de anuência ou ciência do órgão gestor. A recente Resolução CONAMA nº 508/2025, ao alterar o alcance e os prazos da Resolução nº 428/2010, confirma a natureza procedimental do controle ambiental, reduzindo o raio de cientificação para 2 km e reforçando a transparência e a eficiência administrativa. Conclui-se que o limite de 3 km — e agora o de 2 km — não constitui restrição de uso do solo, mas mecanismo de precaução no processo de licenciamento ambiental.
Palavras-chave: Zona de Amortecimento. Licenciamento Ambiental. Unidades de Conservação. SNUC. CONAMA 428/2010. CONAMA 508/2025. Decreto Estadual nº 47.941/2020.
1. Introdução
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), instituído pela Lei nº 9.985/2000, representa um dos principais instrumentos de proteção ambiental no Brasil. As Unidades de Conservação (UCs) integram o patrimônio ambiental nacional e têm por objetivo assegurar a preservação da biodiversidade, compatibilizando-a com o uso sustentável dos recursos naturais.
Entre os instrumentos previstos pelo SNUC, destaca-se a Zona de Amortecimento (ZA), área de entorno da UC destinada a reduzir impactos negativos decorrentes de atividades humanas. A delimitação e a regulamentação da ZA têm sido objeto de intenso debate jurídico, especialmente quando ausente o Plano de Manejo, o que gera a necessidade de instrumentos substitutivos no processo de licenciamento ambiental.
Com a evolução normativa, destacam-se a Resolução CONAMA nº 428/2010, que estabeleceu o critério de 3 km para fins de licenciamento na ausência de ZA, e a mais recente Resolução CONAMA nº 508/2025, que aperfeiçoa o regime de cientificação do órgão gestor e redefine o raio de influência para 2 km. Este artigo busca analisar essa trajetória normativa e suas implicações jurídicas, demonstrando a manutenção do caráter procedimental do controle ambiental no entorno de UCs.
2. A Zona de Amortecimento na Lei do SNUC
Nos termos do art. 2º, inciso XVIII, da Lei nº 9.985/2000, a Zona de Amortecimento é o “entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”.
A ZA não integra fisicamente a UC, mas funciona como uma área de transição, com a finalidade de atenuar impactos provenientes do entorno. O art. 25 da referida lei determina que os limites e as normas da ZA sejam definidos no ato de criação da unidade ou posteriormente, por meio do Plano de Manejo.
O Plano de Manejo, por sua vez, é o documento técnico que disciplina o uso e o zoneamento interno e externo da UC. Quando ausente, surge um vácuo regulatório, dificultando o controle de atividades no entorno. Tal lacuna motivou a edição de resoluções pelo CONAMA, que criaram parâmetros provisórios de controle no licenciamento ambiental.
3. A Resolução CONAMA nº 428/2010 e o limite de 3 km
A Resolução CONAMA nº 428/2010 estabeleceu que, enquanto não houvesse ZA formalmente definida, empreendimentos de significativo impacto ambiental situados até 3.000 metros do limite da UC deveriam obter anuência do órgão gestor no processo de licenciamento.
Essa medida não instituiu uma ZA de jure, mas um critério procedimental, voltado a assegurar a participação do órgão gestor no licenciamento de atividades potencialmente impactantes. O limite de 3 km, portanto, tem natureza presuntiva e preventiva, não configurando restrição material ao uso do solo.
A finalidade da norma foi garantir a efetividade do controle ambiental em casos de ausência de Plano de Manejo, preservando o equilíbrio entre o dever de proteção ambiental e o direito de propriedade.
4. O Decreto Estadual nº 47.941/2020: harmonização com a norma federal
O Estado de Minas Gerais, por meio do Decreto Estadual nº 47.941/2020, regulamentou, em âmbito local, o procedimento de autorização ou ciência do órgão responsável pela administração da UC no licenciamento ambiental.
O §1º do art. 1º do referido decreto reproduz o teor da Resolução CONAMA nº 428/2010, confirmando que o licenciamento de empreendimentos localizados numa faixa de 3.000 metros da UC sem ZA estabelecida deve observar o mesmo rito de anuência.
Assim como na norma federal, o decreto mineiro ressalta que essa previsão não cria limitações diretas ao uso do solo, mas apenas obriga o empreendedor a submeter o projeto à análise técnica do órgão gestor. As exceções a essa exigência — RPPNs, APAse Áreas Urbanas Consolidadas — reforçam o caráter instrumental e não proibitivo da medida.
5. A Resolução CONAMA nº 508/2025: atualização e aprimoramento do regime de cientificação
A Resolução CONAMA nº 508/2025, publicada em 29 de julho de 2025, alterou substancialmente o art. 5º da Resolução nº 428/2010, introduzindo novos parâmetros procedimentais para o licenciamento ambiental de empreendimentos não sujeitos ao EIA/RIMA no entorno de UCs.
A principal inovação foi a redução do raio de comunicação obrigatória de 3.000 metros para 2.000 metros, quando inexistir ZA formalmente definida. Essa mudança visa calibrar a análise técnica à escala real de influência de empreendimentos de menor impacto.
Entre as inovações mais relevantes, destacam-se:
• O órgão licenciador deve cientificar o órgão gestor da UC em até 15 dias após o recebimento dos estudos ambientais;
• A comunicação deve conter arquivos georreferenciados (shapefile ou KML) e indicar acesso aos estudos ambientais;
• O órgão gestor dispõe de 30 dias, prorrogáveis por igual período, para se manifestar;
• A manifestação não é vinculante, e sua ausência não impede o prosseguimento do licenciamento;
• O licenciamento de infraestruturas urbanas dentro de UCs segue as regras do art. 46 da Lei do SNUC, com necessidade de aprovação prévia do gestor da UC.
Essas alterações reforçam a natureza processual, técnica e não restritiva da cientificação, conferindo maior transparência e previsibilidade ao processo.
Além disso, a Resolução 508/2025 eliminou o limite temporal de cinco anos previsto na 428/2010, de modo que o dever de cientificação passa a vigorar indefinidamente enquanto não houver ZA definida. Isso confere estabilidade e continuidade ao controle ambiental preventivo.
Em síntese, a 508/2025 reafirma que a finalidade da cientificação é assegurar o diálogo institucional e técnico entre o órgão licenciador e o gestor da UC, sem criar novas restrições de uso da propriedade.
6. Jurisprudência e interpretação sistemática
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de diversos tribunais estaduais tem se orientado no sentido de reconhecer que a ausência de Plano de Manejo não inviabiliza o licenciamento ambiental, desde que o órgão gestor da UC seja ouvido e o processo avalie os impactos potenciais.
Essa linha interpretativa é coerente com a evolução normativa das resoluções CONAMA 428/2010 e 508/2025, que consolidam a cientificação como ato processual preparatório, e não como restrição material ao uso do solo.
O STJ, ao analisar casos envolvendo empreendimentos no entorno de UCs, tem destacado que a participação do órgão gestor deve ocorrer “no âmbito do devido processo ambiental”, mas que a inexistência de ZA formal não impede o licenciamento (v.g., REsp 1.570.653/PR, Rel. Min. Herman Benjamin).
7. Conclusão
A análise normativa e jurisprudencial demonstra que a Zona de Amortecimento (ZA) é um instrumento de planejamento territorial, a ser formalmente instituído pelo Plano de Manejo, e não um mecanismo automático de restrição.
O limite de 3 km, previsto na Resolução CONAMA nº 428/2010 e no Decreto Estadual nº 47.941/2020, e o novo limite de 2 km introduzido pela Resolução CONAMA nº 508/2025, não configuram ZAs provisórias, tampouco estabelecem restrições de uso do solo. São mecanismos de gestão procedimental, destinados a garantir a manifestação técnica do órgão gestor da UC e o controle prévio de impactos ambientais no processo de licenciamento.
A Resolução CONAMA nº 508/2025, ao aperfeiçoar prazos, meios de comunicação e critérios técnicos, reforça a segurança jurídica e a eficiência administrativa, consolidando a compreensão de que o controle ambiental no entorno de UCs deve ser participativo, transparente e tecnicamente fundamentado, sem inviabilizar o desenvolvimento sustentável.
Referências
• BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC.
• BRASIL. Resolução CONAMA nº 428, de 17 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a autorização do órgão responsável pela administração da UC no âmbito do licenciamento ambiental.
• BRASIL. Resolução CONAMA nº 508, de 29 de julho de 2025. Altera o art. 5º da Resolução CONAMA nº 428/2010.
• MINAS GERAIS. Decreto Estadual nº 47.941, de 7 de maio de 2020. Dispõe sobre o procedimento de autorização ou ciência do órgão responsável pela administração da UC, no âmbito do licenciamento ambiental.
• MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. 14. ed. São Paulo: RT, 2023.
• MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2022.
• Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.570.653/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma.
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