8/9/2025

Novo Artigo: A Polêmica dos "Condomínios de Acesso Controlado"

A Polêmica do Fechamento de Loteamentos: Requisitos Urbanísticos e a Distinção Crucial entre Loteamento e Condomínio de Lotes

A crescente busca por segurança nas cidades brasileiras tem impulsionado um fenômeno urbanístico controverso: o fechamento de loteamentos e a instalação de controles de acesso em vias que, por sua natureza, seriam públicas. A discussão jurídica invariavelmente opõe o anseio por proteção patrimonial e pessoal dos moradores à defesa constitucional do direito à cidade e do livre acesso aos bens de uso comum do povo. Um emblemático e longevo caso em Belo Horizonte, envolvendo a região conhecida como "Clube dos Caçadores", oferece um panorama detalhado sobre os limites dessa prática e a complexa questão urbanística que reside em sua origem: a tentativa de transformar um loteamento público em um condomínio de acesso restrito.


O Ponto de Partida: A Ação Popular e a Defesa do Espaço Público


A contenda teve início com a Ação Popular nº 8601386-92.2005.8.13.0024, que questionou a legalidade do Decreto Municipal n.º 11.746/04. Este ato administrativo, amparado na Lei Municipal n.º 8.768/04, autorizou uma associação de moradores a implementar um fechamento, com portarias e cancelas, em diversas ruas e em uma praça pública. A base legal para tal permissão residia na interpretação do artigo 1º, § 1º, da referida lei, que permitia o fechamento de "via com cul-de-sac ou com característica semelhante que faça recomendar seu fechamento".


Em decisão histórica, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ao julgar a Apelação Cível, estabeleceu balizas cruciais, determinando a nulidade do decreto e da permissão de uso. O acórdão, de relatoria do Desembargador Edgard Penna Amorim, fundamentou que a expressão "via com cul-de-sac" não poderia ser interpretada de forma extensiva a ponto de abarcar um bairro inteiro, especialmente um com "expressão urbanística relevante e inserção determinante na função social da cidade". Ficou estabelecido que as ruas e praças são bens de uso comum do povo e qualquer restrição ao seu acesso exige, como regra, a prévia desafetação, um procedimento formal que altera sua destinação pública, o que não ocorreu de forma válida no caso.


A Persistência da Ilegalidade e a Ação por Improbidade Administrativa


Apesar da decisão judicial definitiva, que transitou em julgado em 6 de agosto de 2020, os obstáculos físicos permaneceram. Tal descumprimento motivou o Ministério Público de Minas Gerais a ajuizar a Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa nº 5011447-19.2022.8.13.0024, desta vez em face do chefe do executivo à época e da associação de moradores.


A sentença, proferida em 7 de agosto de 2025, reconheceu a prática de ato ímprobo. A decisão constatou que, mesmo após a consolidação da ilegalidade do fechamento, os réus persistiram na conduta, utilizando-se de subterfúgios para manter as barreiras. A conduta do então Prefeito foi enquadrada como uma omissão dolosa, pois, mesmo ciente da ordem judicial, não adotou as medidas efetivas para garantir a desobstrução das vias. A lesão ao erário foi caracterizada pela privação do uso de bens coletivos pela população.


Conclusão: O Cerne da Questão Urbanística - Loteamento vs. Condomínio de Lotes


Para além da desobediência a uma ordem judicial, o mérito central do caso reside em uma fundamental distinção do direito urbanístico: a diferença entre loteamento e condomínio de lotes.


No loteamento tradicional, regido pela Lei nº 6.766/79, o parcelamento do solo urbano resulta na criação de lotes, e as vias de circulação e áreas verdes passam a integrar o domínio público. São, por natureza, espaços abertos à fruição de toda a coletividade. O "Clube dos Caçadores" foi implantado sob este regime, o que tornou suas ruas e praças bens públicos.


Posteriormente, a legislação brasileira evoluiu e, com a Lei nº 13.465/2017, instituiu a figura do "condomínio de lotes". Neste modelo, é possível criar um condomínio edilício sobre lotes, onde as áreas de circulação interna e os equipamentos de lazer podem ter natureza privada, pertencendo exclusivamente aos condôminos. Essa estrutura permite, por consequência, o controle de acesso.


A controvérsia jurídica em análise evidencia uma tentativa de aplicar, de forma retroativa e irregular, a lógica do condomínio de lotes a um loteamento já consolidado como espaço público. A Lei Municipal nº 8.768/04, ao prever o fechamento de vias com características de "cul-de-sac", representou uma tentativa de flexibilização que, segundo o Judiciário, foi extrapolada e aplicada de maneira ilegal. A autorização para o fechamento de logradouros públicos é uma medida excepcionalíssima, que exige não apenas lei autorizativa específica, mas uma análise rigorosa do impacto urbanístico, da ausência de prejuízo à circulação e da preservação da função social da cidade.


A transformação de um loteamento aberto em um condomínio fechado não é um ato discricionário da administração ou dos moradores. Demanda um complexo processo de desafetação dos bens públicos, com a devida compensação urbanística ao município, e deve ser justificada por um interesse público preponderante, o que não se verificou no caso concreto. A lição que permanece é que a segurança, embora um valor socialmente relevante, não constitui um direito absoluto capaz de subverter a ordem urbanística e suprimir o caráter público dos espaços que definem a essência da vida em comunidade.

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